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quinta-feira out 10, 2024

Machine Learning na tomada de decisão quanto à revascularização coronária

Escrito por: Flávia Bittar Brito Arantes em 6 de fevereiro de 2024

4 min de leitura

O quê?  

O estudo Can Machine Learning Aid the Selection of Percutaneous vs Surgical Revascularization? foi uma análise transversal da população do estudo SYNTAX ( Synergy between PCI with Taxus and Cardiac Surgery), com o objetivo desenvolver um modelo de estratificação de risco baseado em inteligência artificial (nesse caso, machine learning),  integrando características clínicas, marcadores biológicos e fatores anatômicos para ajudar na decisão entre intervenção coronariana percutânea (ICP) ou cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) para indivíduos com doença arterial coronária (DAC) complexa. 

Por quê?  

A eficácia e segurança da CRM comparada à ICP para o tratamento de pacientes com DAC triarterial ou lesão de tronco da coronária esquerda  (TCE) foram estudadas em mais de 20 ensaios clínicos randomizados. No entanto, a estratégia ideal de revascularização em pacientes com DAC complexa nem sempre é clara e frequentemente necessita de discussão/decisão pelo Heart Team. Isso ocorre especialmente devido ao desenvolvimento de novas tecnologias diagnósticas e terapêuticas, além do atual entendimento sobre a importância de outras variáveis clínicas  (por exemplo: a proteína C reativa e a inflamação na DAC). Por isso, Em 2020, o escore SYNTAX II 2020 (SSII -2020) foi (re)desenvolvido para prever a mortalidade em 10 anos em pacientes com DAC triarterial ou lesão de TCE após ICP ou CRM, combinando não só a avaliação anatômica, como também sete variáveis clínicas. Ainda, nos últimos anos, vários estudos de inteligência artificial mostraram que algoritmos baseados em machine learning (ML) podem ser melhores preditores de eventos cardiovasculares do que os escores de risco tradicionais. Dessa forma, o presente estudo foi desenvolvido com o intuito de avaliar  possíveis variáveis ocultas por meio do ML, associadas a eventos clínicos, em pacientes com DAC complexa. 

 

Como?  

 

Os autores utilizaram algoritmos de ML (Regressão Lasso – least absolute shrinkage and selection operator –  e gradiente boosting [GBM]) para desenvolver um índice prognóstico para morte em 5 anos. Tal modelo foi combinado, em um segundo momento, com o tipo de tratamento ao qual o paciente foi submetido (ICP ou CRM) e  a dois modificadores de efeito pré-especificados: o tipo de doença coronariana (triarterial ou TCE) e  o escore anatômico de SYNTAX. A capacidade discriminativa do modelo baseado em machine learning para prever o risco de morte em 5 anos e o benefício do tratamento entre ICP e CRM foram, então, validados no estudo SYNTAX (n = 1.800) e no registro CREDO-Kyoto (Coronary REvascularization Demonstrating Outcome Study in Kyoto) (n = 7.362) e, em seguida, comparado com a pontuação SYNTAX II 2020 original. 

 

E aí?   

A média de idade dos pacientes da população do estudo original SYNTAX  quando comparados  aos da coorte de validação externa variou entre 65,0 ± 9,8 a 70,4 ± 10, 3 anos, respectivamente, com predominância em ambos do sexo masculino. Além disso, os pacientes da coorte CREDO-Kyoto também apresentavam mais comorbidades, como diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica. No acompanhamento de 5 anos no estudo SYNTAX, houve 231 (12,8%) óbitos de 1.800 pacientes, sendo 105 (11,7%) no grupo CRM e 126 (14,0%) no grupo ICP (P > 0,05). Na coorte de validação externa, houve 1.315 (17,9%) óbitos entre os 7.362 pacientes, com 466 (16,5%) óbitos no grupo CRM e 849 (20,8%) no grupo ICP. Por se tratar de dados de mundo real, nesta coorte as características basais da população diferiram entre os dois grupos, sendo de especial importância a pontuação do  escore SYNTAX maior no grupo CRM do que no grupo ICP ( conforme esperado). 

 

O modelo baseado em ML analisou um total de 30 variáveis clínico-laboratoriais (disponíveis no momento da tomada de decisão terapêutica) e identificou novos preditores (hemoglobina [Hb]; hemoglobina glicada [HbA1c] e glicemia [no modelo SSII-2020 considerados como DM2 tratada];  PCR, creatinoquinase e pressão arterial diastólica. Os modelos ML foram capazes de melhor discriminar  as mortes por todas as causas em 5 anos do que o SSII-2020 original na coorte de validação externa (AUC GBM 0,78 versus 0,74; P < 0,001; AUC de Lasso vs. AUC do SSII-2020: 0,77 vs 0,74; P = 0,001).  

 

E agora?  

A técnica de machine learning, mundialmente conhecida e amplamente aplicada em diferentes cenários na rotina diária da população ( como smartphones e sites da internet), tem se sedimentado cada vez mais no refinamento de dispositivos para a prática médica. Ela possibilita que sistemas possam aprender a tomar decisões a partir de  algoritmos que fazem análise de dados e, nesse sentido, pode trazer maior amplitude e precisão para avaliações de dados de estudos baseados em prática do mundo real (Real World Evidence). 

De maneira interessante, vale ressaltar que os autores do presente estudo pertencem ao grupo SYNTAX e publicaram em 2020 o referido escore SYNTAX II-2020 um modelo de predição clínica que consistia em 2 dados anatômicos e 7 variáveis clínicas. No presente estudo, os investigadores, por meio de um modelo híbrido semissupervisionado, conseguiram analisar um total de 30 variáveis disponíveis no momento da tomada de decisão. É importante ressaltar, porém, que apesar da boa ( e não excelente) predição do novo modelo em termos estatísticos, na prática clínica a decisão médica baseada na criteriosa análise individual de cada paciente pelo HEART TEAM ainda é a melhor conduta. 

Os escores preditores baseados em inteligência artificial com análises de dados de ensaios clínicos randomizados e coortes do mundo real têm sua importância como base ( e não via final) para o julgamento clínico.  Porém, é indiscutível que  a implementação deste modelo em sistemas de saúde – treinados para coletar uma diversidade de parâmetros com grande granularidade – pode harmonizar a tomada de decisões globalmente e ajudar a promover o conceito de medicina de precisão.  

Referência

  1. Ninomiya K, Kageyama S, Shiomi H, et al. Can machine learning aid the selection of percutaneous vs surgical revascularization? J Am Coll Cardiol. 2023;82 (22):2113–2124. 

Sobre o autor

Flávia Bittar Brito Arantes

Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Docente na Faculdade IMEPAC e Coordenadora Médica do Centro de Pesquisa Eurolatino em Uberlândia

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