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Patogênese e abordagens terapêuticas da Neuromielite Óptica

Escrito por: Nuria Bengala Zurro em 23 de abril de 2024

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Neuromielite óptica (NMO) é uma síndrome inflamatória do SNC frequentemente associada a anticorpos séricos de imunoglobulina G contra aquaporina-4 (AQP4-IgG), que é distinta da esclerose múltipla (EM). A presença de AQP4-IgG no sangue é o principal agente patogênico de NMOSD. AQP4-IgG pode penetrar na barreira hematoencefálica (BBB) e reagir com os AQP4 de astrócitos, juntamente com o recrutamento e ativação do complemento, para produzir citotoxicidade dependente do complemento. Além disso, as células efetoras, como as células natural killer, são ativadas e induzem citotoxicidade dependente de anticorpos, o que desencadeia dano aos astrócitos. A presença de AQP4-IgG plasmática por si só é insuficiente para interromper o BBB. 

As células B desempenham vários papéis na NMO, incluindo apresentação de antígenos, produção de citocinas pró e anti-inflamatórias e geração de imunoglobulina. Em pacientes com NMO, a presença de AQP4-IgG é comumente associada à atividade de uma subpopulação específica de células B. Durante recaídas da NMO, essa subpopulação tende a aumentar seletivamente no sangue periférico, exibindo características morfológicas semelhantes às dos plasmablastos (PBs).  

Adicionalmente, certos clones de células B na linhagem germinal humana têm a capacidade de expressar receptores de células B (BCRs) específicos para AQP4, os quais atuam como antígenos e podem gerar uma resposta cruzada com outras espécies. Uma vez que a apresentação de autoantígenos é ativada por células apresentadoras de antígenos (APCs) – como células dendríticas (DCs) e macrófagos no espaço perivascular, plexo coróide ou leptomeninges – os astrócitos podem ativar células T movendo-se para o SNC. Além disso, as células B ativadas, especificamente direcionadas para AQP4, funcionam como células apresentadoras de antígenos (APCs) eficazes e desempenham um papel fundamental na ativação subsequente das células T específicas de AQP4 através da internalização do BCR AQP4.  

Pesquisas indicaram que as células T específicas para AQP4 em pacientes com NMO tendem a apresentar uma predominância de subtipo Th17, sendo estas células relativamente mais abundantes na NMO em comparação com a EM. Adicionalmente, níveis elevados de citocinas associadas à via Th17, como interleucina-21 (IL-21), IL-23 e IL-17, são detectados em soros de pacientes com NMO. A prevalência dessa resposta mediada por Th17, acompanhada da elevada liberação de citocinas relacionadas, tem mostrado correlação positiva com a gravidade dos problemas neurológicos em pacientes com NMO. 

 

Terapias 

 

  • Glicocorticoides 

Na fase aguda, o pulso de Metilprednisolona intravenosa (IVMP) é o tratamento de primeira escolha, seguido por esteroides orais em doses médias. O IVMP pode inibir a cascata de inflamação através da supressão da produção de citocinas inflamatórias, da ativação de células T e do aumento de monócitos. Existem evidências de que o tratamento com IVMP pode reduzir a proporção de células B reguladoras CD19(+) CD24(alta) CD38(alta) e a produção de IL-10 por células B, as quais estão diminuídas em NMO, enquanto aumentam as células B de memória CD19(+) CD27(+) e inibem a expressão de IFN-γ em células B. Também foi relatado que o IVMP precoce poderia prevenir lesões axonais e reduzir a perda de axônios do nervo óptico nos olhos de pacientes com NMO.  

Contudo, apesar da eficácia do IVMP tanto no primeiro ataque quanto nas fases recidivantes da EM sua efetividade não é uniforme na NMO recidivante. Ademais, o tratamento com IVMP para neurite óptica geralmente não consegue preservar a função visual e evitar danos neuronais permanentes, indicando a necessidade de terapias mais eficazes.  

A Plasmaférese (PP) e a imunoglobulina humana são a segunda opções de tratamento para EM aguda e NMO quando a terapia com IVMP é mal-sucedido. A PP demonstrou ser eficaz no tratamento da EM através da eliminação de fatores plasmáticos patogênicos, incluindo citocinas, autoanticorpos e componentes do complemento. Uma terapia combinada PP + IVMP é mais eficaz na melhoria do prognóstico após recidivas de NMO em comparação com a monoterapia com glicocorticoides. Além disso, estudos mostraram que IVMP seguido de PP produziu melhores resultados visuais do que o IVMP sozinho em pacientes com neurite óptica associada a NMO.  

 

  • Imunossupressores 

Para pacientes com NMOSD positivos para AQP4-IgG, a terapia preventiva de recaídas deve ser iniciada o mais rapidamente possível. No entanto, foi observado que diversos medicamentos imunomoduladores eficazes no tratamento da EM podem exacerbar a NMOSD AQP4-IgG+, incluindo INFγ, Natalizumab, Fingolimod e Alemtuzumab. Portanto, é recomendável evitar o uso desses medicamentos em pacientes com NMOSD. Por outro lado, é amplamente aceito que imunossupressores devem ser utilizados na terapia preventiva da NMOSD. Assim, tem sido sugerido que a imunoterapia profilática após o primeiro ataque de mielite transversa longitudinal extensa (MTLE) deve ser mantida por pelo menos 5 anos. 

 

  • Anticorpos monoclonais 

Anticorpos monoclonais, como Rituximabe, anti-CD19 (Inebilizumabe), receptor anti-IL-6 (tocilizumabe), anticomplemento C5 (Eculizumabe) e anti-aquaporina 4 não patogênico (Aquaporumabe), têm sido considerados eficazes no tratamento da NMO. O Rituximabe é um anticorpo monoclonal direcionado ao CD20, composto por um núcleo de IgG1 humana com uma região variável anti-CD20, desempenhando um papel na depleção de células B através de citotoxicidade celular dependente de anticorpos (ADCC), citotoxicidade dependente de complemento (CDD) e fagocitose por neutrófilos e macrófagos. Um estudo demonstrou que a supressão de linfócitos B CD19+ induzida pela infusão de Rituximabe pode durar de 5 a 6 meses e ter um efeito de longo prazo na leucopenia. Portanto, sugere-se que o tratamento com Rituximabe seja repetido a cada 6-7 meses para prevenir recaídas. 

Foi relatado um aumento na produção de Interleucina 6 (IL-6) na NMO, contribuindo para o aumento da secreção de AQP4-IgG e a sobrevivência dos plasmablastos. Assim, os anticorpos anti-receptor de IL-6 podem reduzir a sobrevivência dos plasmablastos, bloqueando a sinalização de IL6R. O Tocilizumabe, um anticorpo humanizado direcionado ao IL-6R, mostrou-se seguro e eficaz no início do tratamento da NMO e NMOSD.Os anticorpos monoclonais anti-AQP4 recombinantes não patogênicos, potencialmente chamados de aquaporumabe, competem pela ligação do AQP4-IgG ao AQP4. Estes anticorpos foram projetados para conter um Fab anti-AQP4 com alta afinidade e um Fc mutado sem a capacidade de desencadear citotoxicidade mediada por células ou complemento. 

Outros anticorpos monoclonais, como o Ocrelizumabe (anti-CD20) e o Daclizumabe (anti-CD25), foram licenciados como tratamentos imunomoduladores para a EM nos EUA. No entanto, a eficácia desses anticorpos monoclonais na NMOSD ainda não foi avaliada. 

 

Potenciais novas terapias 

 

  • Tratamento antioxidante 

O acúmulo de dados de estudos pré-clínicos indica que o estresse desempenha um papel importante na patogênese da neurite óptica na EM e na encefalomielite autoimune experimental (EAE), um modelo animal de EM. Antioxidantes como ácido lipóico e espermidina, bem como genes antioxidantes como catalase e SOD2, foram relatados como eficazes na mitigação da desmielinização, na supressão da inflamação do nervo óptico na neurite óptica, na redução da morte das células ganglionares da retina (RGC) e na deficiência visual, além de proteger o nervo óptico em ratos com EAE. Esses resultados sugerem que o tratamento antioxidante pode ter um efeito neuroprotetor e ser utilizado como terapia para neurite óptica associada à NMOSD. 

 

  • Terapia de remielinização 

A disfunção da remielinização do Sistema Nervoso Central (SNC) é uma resposta autoimune observada tanto na Esclerose Múltipla (EM) quanto na Neuromielite Óptica (NMO). A remielinização, impulsionada pela produção de oligodendrócitos, é crucial para prevenir a degeneração neural. No entanto, os tratamentos atuais para EM e NMO concentram-se principalmente no sistema imunológico, e a remielinização tem recebido recentemente mais atenção como uma abordagem terapêutica na EM. 

A remielinização emerge como um potencial método terapêutico para a NMO, com o potencial de reduzir o déficit neurológico cumulativo e as complicações da doença, mitigando a degeneração axonal e a perda neuronal subsequente à desmielinização. Há evidências de que o Miconazol e o Clobetasol podem promover a mielinização em camundongos e culturas de fatias cerebelares, estimulando a formação de oligodendrócitos e, consequentemente, a remielinização. O Clobetasol demonstrou eficácia em modelos de camundongos com NMO, reduzindo significativamente a perda de mielina, mesmo na presença de desmielinização pré-existente. Além disso, evidências de preservação axonal precoce na NMO apoiam a viabilidade da terapia de remielinização para esta condição. 

Embora existam vários modelos experimentais celulares, de tecidos e em roedores para NMO, que fornecem informações sobre sua patogênese, esses modelos têm algumas limitações, como a reprodução completa da patologia da NMO. No entanto, eles continuam sendo importantes ferramentas para o desenvolvimento de novas terapias para a Neuromielite Óptica Spectrum Disorder (NMOSD). 

Referência

  1. Neuromyelitisopticaspectrumdisorder: Pathogenesis, treatment, and experimental models. Wu Y, Zhong L, GengJ.MultSclerRelatDisord. 2019 Jan; 27:412-418. doi: 10.1016/j.msard.2018.12.002. Epub 2018 Dec 3. PMID: 3053007  

Sobre o autor

Nuria Bengala Zurro

Mestre e Doutora em Imunología pela USP- Brasil. Geneticista pela UNaM - Argentina

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