Testando medicamentos em pessoas como eu, obesas - MDHealth - Educação Médica Independente

Testando medicamentos em pessoas como eu, obesas

Escrito por: Pedro Campos Franco em 24 de outubro de 2023

2 min de leitura

Negligência em testes clínicos de medicamentos deixa pessoas com obesidade à margem

 

Você é invisível, ou a resposta é perder peso, mesmo quando se trata de saúde mental. Esta é a realidade que surgiu no Obesity Week 2023, durante pesquisas1122 sobre as experiências vividas por pessoas que enfrentam obesidade e necessitam de tratamento para problemas de saúde mental. Isso se torna ainda mais importante à medida que descobrimos que testes de medicamentos para condições que não sejam a obesidade frequentemente excluem pessoas com corpos maiores. Quando o processo de testar medicamentos para segurança e eficácia exclui as pessoas com obesidade, sérios problemas podem surgir. 

Mais da metade dos estudos de produtos em investigação listados no clinicaltrials.gov em 2022 não mencionaram peso ou IMC; quando isso foi listado como critério de inclusão/exclusão, foi mais frequentemente usado para excluir pessoas com obesidade. Essa sub-representação da população obesa é danosa, uma vez que o comportamento do medicamento, tanto do ponto de vista farmacocinético quanto farmacodinâmico é sabidamente diferente nesta população. Um dos fatores que determinam a distribuição da droga no corpo de um indivíduo é sua lipossolubilidade. Dessa forma, o excesso de gordura corporal altera a distribuição do medicamento de drogas lipofílicas, aumentando seu depósito no tecido adiposo e assim diminuindo sua concentração plasmática. Para o paciente, essa menor disponibilidade plasmática do medicamento assim como sua demora em atingir níveis séricos eficazes pode levar a conclusão de que ele é ineficaz àquele indivíduo.  Uma segunda consequência da obesidade é que a maior absorção de medicamentos lipofílicos pelo tecido adiposo do corpo aumenta sua meia-vida, devido à liberação contínua do medicamento a partir do tecido adiposo após a interrupção do uso do medicamento. Esse efeito pode levar a interações medicamentosas inadvertidas se um novo medicamento da mesma classe for introduzido ou se afetar o metabolismo de outro medicamento. Os efeitos somados do novo medicamento em combinação com as concentrações residuais do medicamento antigo podem resultar em efeitos medicamentosos excessivos e reações adversas. Cabe sempre lembrar que medicamentos lipofílicos são usualmente muito prescritos na prática médica, senso alguns exemplos: atorvastatina, metoprolol, omeprazol, sertralina, alprazolam, ibuprofeno, ergocalciferol… 

É evidente que a obesidade não apenas sofre com a negligência social, mas também com a falta de atenção por parte das instituições de pesquisa médica, que desempenhariam um papel crucial na inclusão dessas questões. Essa contínua exclusão apenas perpetua as dificuldades em adquirir conhecimento sobre um grupo de pacientes que enfrenta uma condição tão prevalente, contribuindo, em última instância, para a deterioração da qualidade de vida dessas pessoas. Até quando, uma das doenças mais prevalentes, a obesidade, será negligenciada em múltiplas camadas? 

Referências

  1. Bruno CD, Elmokadem A, Housand C, et al. Impact of Obesity on Brexpiprazole Pharmacokinetics: Proposal for Improved Initiation of Treatment. J Clin Pharmacol. 2022;62(1):55-65. doi:10.1002/jcph.1947

  2. OW2023: Testing Drugs in People Like Me. ConscienHealth, 2023. Disponível em: https://conscienhealth.org/2023/10/ow2023-testing-drugs-in-people-like-me/