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terça-feira out 8, 2024

Achados a longo prazo após miocardite por vacina da COVID-19

Escrito por: Remo H. M. Furtado em 16 de agosto de 2023

4 min de leitura

O quê?  

Em um estudo de série de casos feito em Hong Kong, pesquisadores avaliaram os achados de eletrocardiograma (ECG), ecocardiograma (ECO) e ressonância magnética cardíaca (RMC) de 40 adolescentes com diagnóstico de miocardite pós vacina da COVID-19.  

 

Por quê?  

Após a implementação de vacinação para COVID-19 em todo o mundo, alguns casos de miocardite têm sido reportados como temporalmente causados pela vacina. Apesar de a incidência destes casos ser baixa e o prognóstico na grande maioria ser bom, ainda se conhece muito pouco sobre a evolução a longo prazo e as possíveis alterações miocárdicas desta condição nos exames de imagem, como RMC e ECO.  

 

Como?  

O estudo incluiu uma série de 40 casos de adolescentes (idade média 15 ± 1,6 anos), sendo 33 do sexo masculino, que foram diagnosticados em Hong Kong com miocardite pós vacina para COVID-19. Todos os pacientes tiveram o diagnóstico documentado por exame de imagem e foram seguidos por até um ano (mediana de seguimento 10 meses). Dos 40 pacientes, todos realizaram ECO e ECG e 39 foram submetidos ao exame de RMC.  

 

E aí?   

Durante o acompanhamento, 29 (73%) dos pacientes apresentavam-se assintomáticos, sendo que nenhum apresentava arritmias, angina ou sintomas de insuficiência cardíaca (IC). O ECG era anormal em 31 pacientes na apresentação inicial, sendo que o exame se normalizou em todos durante o seguimento. Todos apresentavam fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) normal no ECO na apresentação inicial. Por outro lado, a FEVE avaliada pela RMC foi anormal na apresentação em 7 pacientes (dos 39 que foram submetidos a tal exame). Havia realce tardio por gadolíneo na apresentação inicial em 19 na RMC, enquanto o strain longitudinal global foi anormal no ECO em 7 pacientes.  

Durante o seguimento, 26 pacientes foram submetidos a uma RMC de controle, dos quais 15 tinham realce tardio leve, 2 tinham FEVE limítrofe e 11 tinham exame normal. Nenhum destes pacientes apresentava achados compatíveis com miocardite aguda. Não houve diferenças estatisticamente significativas nas características demográficas e ecocardiográficas entre os pacientes que apresentavam versus os que não apresentavam realce tardio na RMC de controle.  

  

E agora?  

O presente estudo trata-se do relato com maior tempo de seguimento até hoje publicado sobre alterações cardíacas a longo prazo em pacientes que apresentaram miocardite por vacina da COVID-19. O seguimento completo dos pacientes com realização de diversos exames de imagem, incluindo ECO com strain longitudinal global e RMC em boa parte dos pacientes, é um dos pontos fortes do presente estudo. Conforme esperado, a grande maioria dos pacientes apresentavam-se assintomáticos e com FEVE normal no seguimento tardio, reforçando o caráter benigno dessa condição. Além disso, não houve relato de sintomas de insuficiência cardíaca ou arritmias cardíacas clinicamente manifestas. No entanto, chama atenção o fato de ter sido encontrado anormalidade no strain longitudinal global em quase 20% dos pacientes, enquanto houve achado de realce tardio por gadolíneo em metade dos casos. No seguimento a longo prazo, o realce tardio persistiu em cerca de metade dos pacientes avaliados pela RMC.  

Sabe-se que o strain longitudinal global consiste em um marcador precoce de disfunção sistólica do VE, sendo o seu valor prognóstico já tendo sido demonstrado em diversas condições. Entretanto, não se sabe ao certo o impacto clínico a longo prazo de alterações neste parâmetro em pacientes após miocardite por vacina da COVID-19. O mesmo é válido para a presença de realce tardio na RMC. Embora tenha sido um achado frequente, a princípio esta alteração não se traduziu em presença de disfunção ventricular nem arritmias cardíacas clinicamente manifestas.  

O presente estudo apresenta diversas limitações, sendo a principal delas o fato de ser uma simples série de casos, de um número bastante pequeno, sem qualquer poder de inferência sobre marcadores prognósticos dos achados de imagem relatados. Além disso, trata-se de uma amostra selecionada, de pacientes com diagnóstico definitivo de miocardite provenientes de um único país. O fato de não ter sido feita RMC no seguimento em todos os pacientes, mas somente naqueles que apresentavam alterações no exame inicial, também pode levar a um viés de referência que dificulta a interpretação e o significado diagnóstico destes achados. Por este motivo, o estudo tem caráter meramente descritivo e não deve neste momento servir como base para a mudança de condutas, mas somente como um alerta de que os pacientes com miocardite por vacina da COVID-19 precisam de vigilância a longo prazo, pois, apesar de tal condição ser benigna, as anormalidades em exames de imagem, sobretudo RMC, em boa parte são irreversíveis no prazo de um ano. Entretanto, as implicações clínicas destas anormalidades permanecem desconhecidas. Até o momento, a proteção conferida contra as formas graves de COVID-19 ainda justifica a vacinação em massa da população exposta, sobretudo os grupos de maior risco.  

Referência

  1. Yu CK, Tsao S, Ng CW, Chua GT, Chan KL, Shi J, Chan YY, Ip P, Kwan MY, Cheung YF. Cardiovascular Assessment up to One Year After COVID-19 Vaccine-Associated Myocarditis. Circulation. 2023 Aug;148(5):436-439. 

Sobre o autor

Remo H. M. Furtado

Diretor de Pesquisa do BCRI, Coordenador da Pós-graduação em Pesquisa Clínica da Galen Academy e Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da USP

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