Estratégias educacionais para melhorar o tratamento do diabetes tipo 2 – estudo COORDINATE DIABETES - MDHealth - Educação Médica Independente

Estratégias educacionais para melhorar o tratamento do diabetes tipo 2 – estudo COORDINATE DIABETES

Escrito por: Remo H. M. Furtado em 7 de julho de 2023

4 min de leitura

O quê é?  

O estudo COORDINATE (Coordinating Cardiology Clinics Randomized Trial of Interventions to Improve Outcomes) – Diabetes foi um estudo randomizado em cluster que comparou uma estratégia multifacetada de educação e feedback versus cuidado usual em 43 clínicas ambulatoriais que atendem pacientes com diabetes tipo 2 (DM2) nos Estados Unidos.  

 

Por quê?  

O DM2 é um dos principais fatores de risco para complicações cardiovasculares, sendo associado a um risco de 2 vezes de infarto e AVC em relação à população sem DM2. O tratamento do DM2 tem mudado de maneira substancial, com medicamentos capazes de reduzir substancialmente doença CV e renal, como os inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) ou bloqueadores do receptor de angiotensina 2 (BRA), as estatinas em alta intensidade, os inibidores de sodium-glucose transporter 2 (iSGLT2) e os agonistas do glucagon-like peptide-1 (aGLP-1). Entretanto, tais medicamentos ainda são sub-utilizados na prática clínica, mesmo em pacientes com DM2 e doença CV estabelecida.  

 

Como?  

O estudo randomizou 49 clínicas que cuidam de pacientes com DM2 para estratégia educacional versus cuidado usual (25 versus 24 em cada grupo, respectivamente). Devido à pandemia de COVID-19, 6 clínicas abandonaram o estudo e não incluíram paciente algum. Ao todo, foram incluídos 1049 participantes com DM2, sendo 459 no grupo intervenção e 590 no grupo cuidado usual (idade mediana de 70 anos e cerca de 30% do sexo feminino e 16% de negros). A intervenção consistia em uma estratégia multifacetada, envolvendo reuniões, avaliação de barreiras à prescrição dos medicamentos e discussão de soluções, sessões educacionais, fornecimento de feedbacks continuados e educação dos pacientes sobre a importância de adesão ao tratamento. No grupo cuidado usual, as equipes médicas das clínicas receberam os guidelines recentes de diabetes, porém sem qualquer intervenção ativa além dessa. O desfecho primário do estudo foi a proporção de pacientes com DM2 e doença CV em uso dos três  tratamentos (IECA ou BRA + estatina em alta intensidade + iSGLT2 ou aGLP-1) ao final de 12 meses. A ocorrência de eventos CV (composto de morte, infarto, AVC, hospitalização por insuficiência cardíaca ou revascularização de urgência) foi um desfecho exploratório.  

 

Estrutura PICOT 
Population:  Pacientes com DM2 e doença CV prévia incluídos em clínicas ambulatoriais nos EUA   
Intervention  Estratégia de educação multifacetada 
Control:  Cuidado usual 
Outcome  Proporção de uso de IECA/BRA, estatinas em alta intensidade e iSGLT2 ou aGLP-1 
Time  12 meses  

 

E aí?   

A estratégia educacional multifacetada levou a um aumento absoluto de 23,4% na proporção de pacientes em uso das três medicações em relação ao cuidado usual (37,9% versus 14,5%, respectivamente; odds ratio [OR] 4,46; intervalo de confiança [IC] 95% 2,55 – 7,80; P < 0,001). A estratégia resultou em aumento de cada uma das classes individualmente: estatinas (70,7% vs. 56,8%; OR 1,78; IC 95% 1,07 – 2,96), IECA ou BRA (81,4% vs. 68,4%; OR 1,91; IC 95% 1,23 – 1,95) e iSGLT2 ou aGLP-1 (60,4% vs. 35,5%; OR 3,11; IC 95% 2,10 – 4,59). As proporções de pacientes com eventos CV em 12 meses foram de 5,0% no grupo intervenção versus 6,8% no grupo controle (hazard ratio [HR] 0,79; IC 95% 0,46 – 1,33), e de morte foram de 1,3% versus 2,7%, respectivamente (HR 0,62; IC 95% 0,24 – 1,60).  

 

E agora?  

O estudo COORDINATE Diabetes mostrou que uma estratégia educacional multifacetada levou a um aumento absoluto de quase 25% na proporção de pacientes com DM2 e doença CV em uso de medicamentos comprovadamente eficazes na redução de complicações CV. O aumento se refletiu em todas as classes de medicamentos individualmente, porém com maior magnitude de efeito nos novos antidiabéticos, provavelmente por se tratarem de medicamentos mais recentes no arsenal terapêutico para se mitigar doença cardíaca em pacientes com DM2. Não houve redução estatisticamente significativa de eventos CV, porém este desfecho era meramente exploratório e já se sabia de antemão que o estudo não teria poder suficiente para demonstrar qualquer diferença entre os grupos. Entretanto, o efeito foi consistente com aquilo que se espera com a adição destas classes de medicamentos.  

O desenho em cluster, no qual a unidade de randomização é o hospital e não o paciente individual, leva a alguns desafios na análise e interpretação, como o fato de ter havido algum desequilíbrio nas características basais entre os grupos. Tal fato provavelmente ocorreu porque alguns centros abandonaram o estudo após a randomização em virtude da pandemia de COVID-19 (5 no grupo intervenção e 1 no grupo controle). Entretanto, análises de sensibilidade ajustadas para as diferenças basais foram similares ao resultado da análise principal. Além disso, o estudo em cluster é o desenho mais adequado quando se deseja estudar alguma intervenção que é feita no hospital ou clínica, e não no nível individual.  

Em resumo, não basta apenas que existam medicamentos comprovadamente eficazes no tratamento de uma determinada doença em Cardiologia. É preciso que estratégias educacionais, implementadas tanto aos profissionais de saúde como aos pacientes, sejam conduzidas a fim de que o tratamento otimizado seja levado a todos. Tais estratégias podem ter um enorme impacto em saúde publica, ainda mais quando se leva em conta o crescimento da prevalência de DM2 ao redor do mundo.  

Referência

  1. A estratégia educacional multifacetada levou a um aumento absoluto de 23,4% na proporção de pacientes em uso das três medicações em relação ao cuidado usual (37,9% versus 14,5%, respectivamente; odds ratio [OR] 4,46; intervalo de confiança [IC] 95% 2,55 – 7,80; P < 0,001). A estratégia resultou em aumento de cada uma das classes individualmente: estatinas (70,7% vs. 56,8%; OR 1,78; IC 95% 1,07 – 2,96), IECA ou BRA (81,4% vs. 68,4%; OR 1,91; IC 95% 1,23 – 1,95) e iSGLT2 ou aGLP-1 (60,4% vs. 35,5%; OR 3,11; IC 95% 2,10 – 4,59). As proporções de pacientes com eventos CV em 12 meses foram de 5,0% no grupo intervenção versus 6,8% no grupo controle (hazard ratio [HR] 0,79; IC 95% 0,46 – 1,33), e de morte foram de 1,3% versus 2,7%, respectivamente (HR 0,62; IC 95% 0,24 – 1,60).  

Sobre o autor

Remo H. M. Furtado

Diretor de Pesquisa do BCRI, Coordenador da Pós-graduação em Pesquisa Clínica da Galen Academy e Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da USP