Acoramidis em pacientes com amiloidose cardíaca - MDHealth - Educação Médica Independente

Acoramidis em pacientes com amiloidose cardíaca

Escrito por: Remo H. M. Furtado em 15 de fevereiro de 2024

5 min de leitura

O quê?  

O estudo ATTRibute-CM (Efficacy and Safety of AG10 in Subjects with Transthyretin Amyloid Cardiomyopathy) foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, multicêntrico, controlado por placebo, testando o acoramidis em pacientes com amiloidose cardíaca por transtiretina (TTR).  

 

Por quê?  

A amiloidose cardíaca por TTR é uma condição na qual os tetrâmeros de TTR sofrem desestabilização e se dissociam em monômeros instáveis, com subsequente depósito de fibrilas amilóides no miocárdio. Se não tratada, a doença leva a um quadro de insuficiência cardíaca progressiva (comumente acompanhada de arritmias cardíacas) e morte.  

O acoramidis é uma molécula que age estabilizando os tetrâmeros de TTR, com isso prevenindo a deposição das fibrilas amilóides e levando à melhora das consequências sobre o miocárdio, tanto nas formas selvagens de amiloidose TTR quanto nas formas genéticas. Estudos fase 2 haviam mostrado efeitos de estabilização quase completa (>90%) dos tetrâmeros de TTR, mas estudos avaliando o benefício clínico do medicamento ainda não eram conhecidos.  

 

Como?  

O estudo ATTRibute-CM foi um ensaio clínico que randomizou pacientes com amiloidose TTR confirmada por biópsia ou cintilografia com pirofosfato, além de sintomas de ou internação prévia por insuficiência cardíaca, níveis de NT-proBNP acima de 300 pg/mL e espessura da parede ventricular de pelo menos 12 mm. Os pacientes foram randomizados na proporção 2:1 para acoramidis 800 mg ou placebo, via oral, duas vezes ao dia, por 30 meses.  

O desfecho primário do estudo era o composto de morte, hospitalizações por causa cardiovascular, mudança nos níveis de NT-proBNP e mudança na distância no teste de caminhada de 6 minutos, em 12 meses.  O desfecho foi avaliado por meio do método de win ratio (razão de vitórias). Nesta metodologia, cada paciente do grupo medicamento é comparado com cada paciente do grupo placebo. Para cada par, um “vencedor” é determinado, primeiramente levando-se em conta o componente mais importante, a mortalidade (ou seja, se naquele par um paciente tiver sobrevivido até 12 meses e outro paciente não, o vencedor é o sobrevivente). Em caso de empate, o desfecho subsequente, hospitalização, é analisado (neste caso, o vencedor do par será aquele que não hospitalizou, ou que foi hospitalizado uma menor quantidade de vezes). Em caso de empate, a comparação segue com o NT-proBNP (o vencedor é aquele que tiver apresentado maior redução de NTproBNP), e assim por diante. O win ratio (WR) é a razão entre o número de vitórias favorecendo o grupo medicamento e o número de vitórias favorecendo o grupo placebo. Ou seja, em caso de o medicamento ser superior ao placebo, o WR será maior do que 1,0.   

 

Estrutura PICOT 
Population:  Amiloidose TTR         
Intervention:   Acoramidis  
Control:  Placebo      
Outcome  Composto de morte, hospitalização, NT-proBNP e teste de caminhada  
Time  12 meses   

 

E aí?  

Ao todo, foram randomizados 632 pacientes, sendo 421 no grupo acoramidis e 211 no grupo placebo. A idade média era de 77 anos, 90% eram do sexo masculino e 88% de raça branca. Classe funcional III estava presente em 17% dos pacientes.  

No desfecho primário, de todos os pares de pacientes, houve 63,7% de vitorias a favor do acoramidis versus 35,9% de vitórias favorecendo o placebo (WR 1,8; intervalo de confiança [IC] 95% 1,4-2,2; P < 0,001). Quando os grupos foram comparados somente com os componentes morte e hospitalização, houve benefício favorável ao acoramidis (WR 1,5; IC 95% 1,1 – 2,0). O acoramidis resultou em um aumento médio de 39,6 metros (IC 95% 21,1 a 58,2) a mais no teste de caminhada de 6 minutos em comparação ao placebo, além de maior queda nos níveis de NT-proBNP  e melhora na qualidade de vida no questionário KCCQ (Kansas City Cardiomyopathy Questionaire). Não houve diferença estatisticamente significativa na mortalidade entre os dois grupos (mortalidade cumulativa em 12 meses estimada em cerca de 7%, em ambos os grupos). O acoramidis foi bem tolerado, sem aumento na incidência de eventos adversos em relação ao placebo.    

 

E agora?  

O presente estudo traz uma novidade bastante relevante para a prática clínica, ao demonstrar a eficácia e segurança de mais uma medicação para o tratamento da amiloidose TTR. Até recentemente, só havida medidas paliativas, como uso de diuréticos e controle do ritmo cardíaco, sendo a morte ou necessidade de transplante cardíaco o fim inexorável comum alguns meses após o diagnóstico da doença. Atualmente, a comunidade cardiológica tem pelo menos duas medicações capazes de atuar na história natural da doença: o tafamidis e, agora, o acoramidis.  

Embora os resultados sejam animadores, temos de observar alguns aspectos na interpretação do estudo. Os autores não seguiram a análise por intenção de tratar tradicional, na qual todos os pacientes randomizados são analisados, independente de terem recebido o tratamento ou não. A exclusão de pacientes pós randomização pode introduzir viés na análise. No estudo ATTRibute-CM, 21 dos 632 pacientes foram excluídos da análise por ter doença renal avançada estádio 4, o que se torna um problema menor, pois a exclusão é baseada em uma variável pré-randomização (ou seja, ela tende a ser igualmente distribuída nos dois grupos). Em segundo lugar, a ausência de redução estatisticamente significativa de mortalidade parece contrastar com os resultados do estudo ATTR-ACT, com tafamidis. No entanto, vale lembrar que, justamente pelo fato de o tafamidis já estar disponível durante a realização do estudo ATTRibute-CM, alguns pacientes acabaram recebendo a medicação de maneira aberta durante o estudo (um total de 107 pacientes), o que pode, em última análise, levar a diluição do efeito do acoramidis. Portanto, é prudente se evitar qualquer comparação indireta entre os dois medicamentos, a menos que surja um terceiro estudo desenhado especificamente para isto.  

Em conclusão, o acoramidis resultou na melhora dos desfechos clínicos (incluindo um composto de morte, hospitalização, biomarcadores e teste de caminhada) em pacientes com amiloidose TTR. Desta forma, mais uma opção de tratamento torna-se disponível para o cardiologista no tratamento desta condição bastante desafiadora.  

Referência

  1. Gillmore JD, Judge DP, Cappelli F, Fontana M, Garcia-Pavia P, Gibbs S, Grogan M, Hanna M, Hoffman J, Masri A, Maurer MS, Nativi-Nicolau J, Obici L, Poulsen SH, Rockhold F, Shah KB, Soman P, Garg J, Chiswell K, Xu H, Cao X, Lystig T, Sinha U, Fox JC; ATTRibute-CM Investigators. Efficacy and Safety of Acoramidis in Transthyretin Amyloid Cardiomyopathy. N Engl J Med. 2024; 390(2): 132-142. 

Sobre o autor

Remo H. M. Furtado

Diretor de Pesquisa do BCRI, Coordenador da Pós-graduação em Pesquisa Clínica da Galen Academy e Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da USP