Angioplastia coronária guiada por ultrasssom intravascular versus tomografia de coerência óptica - MDHealth - Educação Médica Independente

Angioplastia coronária guiada por ultrasssom intravascular versus tomografia de coerência óptica

Escrito por: Remo H. M. Furtado em 20 de setembro de 2023

4 min de leitura

O quê?  

O estudo OPTIVUS (Optical Coherence Tomography versus Intravascular Ultrasound-Guided Percutaneous Coronary Intervention)  foi um ensaio clínico randomizado, de não-inferioridade, multicêntrico, aberto com adjudicação cega de desfechos, realizado na Coréia do Sul, comparando duas técnicas de imagem intravascular, o ultrassom intravascular (IVUS – intravascular ultrasound) e a tomografia de coerência óptica (OCT – optical coherence tomography), em pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP).  

 

Por quê?  

Na ICP, sobretudo em lesões de alta complexidade, os métodos de imagem intravascular, como IVUS e OCT, podem otimizar os resultados do procedimento, ao permitirem uma melhor aposição do stent e o diagnóstico precoce de pequenas dissecções, além de cobrir maior extensão da placa. Entretanto, não se sabe se estes métodos se equivalem em termos de eficácia a longo prazo. Por isto, o estudo OPTIVUS testou a hipótese de que a OCT seria não-inferior ao IVUS.  

 

Como?  

O estudo randomizou pacientes com indicação de ICP e necessidade de implante de stent para duas estratégias de imagem intravascular: uso de IVUS versus OCT. Os pacientes apresentando infarto do miocárdio com supradesnivelamento de ST (IAMCSST), lesões tortuosas ou muito calcificadas e disfunção renal grave foram excluídos.  

O desfecho primário do estudo foi o composto de morte de causa cardíaca, revascularização do vaso-alvo ou infarto relacionado ao vaso alvo, em 1 ano. Os desfechos secundários foram, além dos componentes individuais do desfecho primário, a mortalidade por todas as causas, AVC, trombose de stent, sangramento BARC (Bleeding Academic Research Consortium) 3-5 e nefropatia induzida por contraste.  

A fim de declarar a não-inferioridade, os autores determinaram uma margem de aumento de risco absoluto de 3,1% com o OCT, para uma taxa esperada de desfechos de 8% ao ano para o desfecho primário.   

  

Estrutura PICOT 
Population:  Pacientes com indicação de ICP   
Intervention  ICP guiada por OCT  
Control:  ICP guiada por IVUS  
Outcome  Morte cardíaca, infarto ou nova revascularização   
Time  1 ano  

 

E aí?   

Foram incluídos 2008 pacientes, sendo 1005 alocados no grupo OCT e 1003 no grupo IVUS. A idade média dos pacientes era de 65 anos, 21,5% eram do sexo feminino e 33% tinham diabetes mellitus. O escore SYNTAX médio foi de 15,5, e cerca de metade dos pacientes apresentavam lesão de bifurcação.  

O desfecho primário ocorreu em 25 (2,5%) pacientes do grupo OCT versus 31 (3,1%) do grupo IVUS (diferença absoluta de risco -0,6; intervalo de confiança 95% -2,0 a 0,8; P para não inferioridade < 0,001; hazard ratio [HR] 0,80 IC 95% 0,47-1,36). A mortalidade foi semelhante entre os grupos, 1,0% versus 1,4%, respectivamente (HR 0,71; IC 95% 0,32-1,60). Não houve diferença entre os grupos na ocorrência de nova necessidade de revascularização (1,6% versus 1,9%, respectivamente; HR 0,84; IC 95% 0,43-1,63), sangramento BARC 3-5 (1,0% versus 1,3%, respectivamente; HR 0,77, IC 95% 0,34-1,75) ou nefropatia induzida por contraste (1,4% versus 1,5%, respectivamente; HR 0,93; IC 95% 0,45-1,91).  

 

E agora?  

A melhora dos resultados da ICP tem ocorrido ao longo dos anos em virtude de melhores plataformas de stent, experiência dos operadores, manejo de terapia antitrombótica e chegada de métodos de imagem intravascular. Assim sendo, as ICP de alta complexidade podem se beneficiar do advento tanto da OCT como do IVUS, em casos selecionados. O estudo OPTIVUS traz informações relevantes para a prática clínica ao comparar “head to head” ambas as técnicas. O estudo se beneficia do desenho randomizado, multicêntrico e avaliando desfechos clinicamente relevantes. Pontos fracos seriam o fato de ter sido realizado em um único país e o desenho aberto, ou seja, tanto operadores, como pacientes e médicos assistentes sabiam a que grupo os pacientes haviam sido randomizados, embora os desfechos tenham sido avaliados de maneira cega.  

Em estudos de não-inferioridade, como o OPTIVUS, algumas observações devem ser consideradas para a correta intepretação dos resultados. Em primeiro lugar, somente faz sentido se testar uma hipótese de não-inferioridade quando o tratamento novo (grupo intervenção) tiver uma potencial vantagem em relação ao tratamento controle, como menor custo, maior conveniência ou menor risco. Assim, a lógica desse tipo de estudo é provar que o novo tratamento pode oferecer tal vantagem sem sacrifício da eficácia. Em segundo lugar, quando se estabelece a margem de não-inferioridade, o pesquisador está determinando “até quanto se aceita perder”. Em outras palavras, no pior dos cenários (leia-se: intervalo de confiança), o novo tratamento ainda perderia por um limite clinicamente aceitável. Ao se fazer isso, é importante se julgar com cautela o que é clinicamente aceitável (o que nem sempre é tarefa fácil!), e se observar qual é a taxa de eventos esperada e aquela que foi observada no estudo. Os pesquisadores consideraram que essa taxa aceitável (margem de não-inferioridade) seria um aumento de 3,1 pontos percentuais contra a OCT, para uma taxa esperada de eventos de 8,0% ao ano (ou seja, um incremento de cerca de 40% no risco relativo). Entretanto, a taxa observada de eventos no estudo foi de 3,0%, ou seja, mantendo a margem de não-inferioridade na escala absoluta, seria o mesmo que dizer que é razoável o dobro de eventos contra o novo tratamento (talvez já não seja tão clinicamente aceitável).  

Diante das considerações anteriores, e com o agregado das evidências, os métodos de imagem intravascular como IVUS e OCT devem ser considerados em casos selecionados de ICP de alta complexidade a fim de otimizar os resultados do procedimento. A seleção do método em si vai depender da disponibilidade, custos e experiência do operador.  

 

Referência

  1. Kang DY, Ahn JM, Yun SC, Hur SH, Cho YK, Lee CH, Hong SJ, Lim S, Kim SW, Won H, Oh JH, Choe JC, Hong YJ, Yoon YH, Kim H, Choi Y, Lee J, Yoon YW, Kim SJ, Bae JH, Park DW, Park SJ; OCTIVUS Investigators. Optical Coherence Tomography-Guided or Intravascular Ultrasound Guided Percutaneous Coronary Intervention: The OCTIVUS Randomized Clinical Trial. Circulation. 2023 Aug 27. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.123.066429. Epub ahead of print. 

Sobre o autor

Remo H. M. Furtado

Diretor de Pesquisa do BCRI, Coordenador da Pós-graduação em Pesquisa Clínica da Galen Academy e Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da USP