Seu paciente está tomando o remédio? – Dicas para aumentar a adesão ao tratamento - MDHealth - Educação Médica Independente

Seu paciente está tomando o remédio? – Dicas para aumentar a adesão ao tratamento

Escrito por: Remo H. M. Furtado em 23 de outubro de 2023

4 min de leitura

A Organização Mundial de Saúde (OMS) caracteriza que a adesão a qualquer tratamento envolve cinco domínios: sócio-econômico;  sistema de saúde; doença ou condição; terapia ou intervenção; e a dimensão do paciente individual (1). Na questão sócio-econômica, fatores como acesso aos medicamentos e nível de instrução são pivotais. Na dimensão da doença ou condição, importante destacar que doenças assintomáticas e crônicas, como hipertensão, diabetes e dislipidemia, levam a uma maior dificuldade de aderência do paciente. No paciente individual, é importante se trabalhar a motivação e engajamento no tratamento. Já no tratamento em si, a tolerabilidade e complexidade do regime terapêutico são fatores primordiais, enquanto no aspecto do sistema de saúde, a relação médico-paciente e a atuação equipe multidisciplinar são pivotais.  

 

A importância do regime terapêutico  

A complexidade do regime de tratamento medicamentoso é primordial na aderência terapêutica. Por exemplo, a maior parte dos pacientes com hipertensão necessitam de pelo menos duas classes de medicamentos para alcançar as metas de tratamento. Aspectos como os horários e doses múltiplas podem levar a confusão e erros como esquecimento de doses. Neste sentido, as medicações de posologia única diária, incluindo combinações de múltiplos medicamentos em um só comprimido, são preferíveis (2).  

 

Engajamento do paciente e mudança de hábito  

Se observarmos como se forma um hábito na mente do ser humano, a fim de se cumprir uma rotina pré-estabelecida (como tomar um remédio), três aspectos são fundamentais. Primeiro, deve haver uma deixa ou gatilho, ou seja, uma ação simples que faça o indivíduo se lembrar de executar tal rotina. Lembretes por mensagem ou alarmes alertando a tomada da medicação são exemplos. Em segundo lugar, toda rotina deve levar a uma recompensa. Neste caso, o paciente, ao se auto-monitorar (por exemplo, checando a própria glicemia ou pressão arterial) verificará pequenos progressos e vitórias, aumentando a vontade de seguir aquela rotina. E por último, é importante que a rotina alivie um anseio, isto é, seja algo agradável ao indivíduo. No caso da tomada de uma medicação, o componente prazeroso pode ser obtido por meio da chamada “gameficação”, ou seja, a disputa de uma coletânea de pontos cada vez que um bom hábito de saúde (tomar medicamento no horário certo, fazer exercício, etc) é realizado (3,4).  

 

A atuação da equipe multidisciplinar  

O cuidado ao paciente não precisa ficar apenas nas mãos do médico, sendo as orientações dadas pela equipe multidisciplinar, como profissionais de enfermagem e nutrição, fundamentais para garantir a adesão. O estudo COACH (Coaching patients On Achieving Cardiovascular Health) avaliou uma estratégia ativa de treinar os pacientes com um programa de coaching conduzido por profissionais de saúde. Foram incluídos 792 pacientes em 6 hospitais, sendo 394 randomizados para o programa de coaching  e 398 foram randomizados para cuidado usual. No programa de coaching, os pacientes recebiam contatos regulares por correio ou telefone para incentivá-los a melhorar as metas de tratamento. Em um tempo de seguimento de 6 meses, o programa de coaching levou a uma redução de colesterol total adicional de 14 mg/dL (IC 95% 8 a 20; P < 0,0001), além de melhora em outros fatores de risco cardiovasculares, como pressão arterial, peso, alimentação e cessação do tabagismo. O programa também se associou à melhora na qualidade de vida(5).  

 

O papel das ferramentas digitais 

As evidências a respeito da eficácia das soluções digitais ainda são preliminares, porém bastante animadoras.  Em um estudo com cerca de 28 mil indivíduos hipertensos em um programa de auto-cuidado da PA via uma app com instruções, houve uma redução sustentada da pressão arterial sistólica em 85,7% dos indivíduos com hipertensão estágio 2 ou mais ao longo de 3 anos. Além disso, estes indivíduos tiveram uma redução média da pressão sistólica de 21 mmHg, comparável ao efeito de se adicionarem duas novas classes de anti-hipertensivos (6). Futuros estudos nesta área devem trazer mais respostas a respeito da eficácia deste tipo de intervenção.   

 

Em resumo, não basta apenas se conhecer a doença e prescrever o tratamento aos nossos pacientes. É preciso se avaliar e buscar continuamente ferramentas capazes de engajar e aumentar a aderência. Afinal de contas, com diria C. Everett Koop: “Medicamentos não funcionam em pacientes que não os tomam.”  

Referências

  1. ttp://www.who.int/chronic_conditions/adherencereport/en  

  2. Kini V, Ho PM. Interventions to Improve Medication Adherence: A Review. JAMA. 2018; 320(23): 2461-2473. 

  3. Robinson, Berridge. The neural basis of drug craving: an incentive-sensitization theory of addiction. Brain Res Reviews 1993; 18: 247-91 

  4. Furtado RHM, Os desafios na adesão ao tratamento do paciente com hipertensão arterial. Revista Brasileira de Hipertensão 2022; 29 (3): 65-8.   

  5. Vale MJ, Jelinek MV, Best JD, Dart AM, Grigg LE, Hare DL, et al. Coaching patients On Achieving Cardiovascular Health (COACH): a multicenter randomized trial in patients with coronary heart diseaseArch Intern Med 2003; 163: 2775-2783   

  6. Gazit T, Gutman M, Beatty AL. Assessment of Hypertension Control Among Adults Participating in a Mobile Technology Blood Pressure Self-Management Program. JAMA Netw Open. 2021; 4(10): e2127008. 

Sobre o autor

Remo H. M. Furtado

Diretor de Pesquisa do BCRI, Coordenador da Pós-graduação em Pesquisa Clínica da Galen Academy e Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da USP